segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O suicídio de trabalhadores - PARTE III

IHU On-Line – Há casos de trabalhadores que deixaram registros?

Marcelo Finazzi – Sim, há. Temos o conhecimento de bilhetes e contatos telefônicos de despedida previamente às tentativas de suicídio. Cabe salientar, porém, que não há uma regra e, ao contrário do que o senso comum imagina, muitos suicidas preferem não manifestar formalmente os motivos do ato. Na minha pesquisa, por exemplo, os pesquisados que tentaram o suicídio – mas sobreviveram – não deixaram bilhetes de despedida ou qualquer aviso prévio: para que alardear os motivos de um ato cuidadosamente tramado no vazio da solidão? Alguma palavra seria capaz de explicar com precisão o que aquele ato, por si só, representaria? Buscaram ajuda e não encontraram. Não haveria razões para se justificarem perante aqueles que não se importaram com eles, para que os algozes nutrissem compaixão ao menos depois da morte. Nenhum deles parecia demonstrar o sentimento de autopiedade típico de pessoas que simulam a morte. Eles queriam apenas morrer e ponto final. Um dado importante apareceu na pesquisa: todos manifestaram a vontade de morrer mediante acidente automobilístico e, inclusive, chegaram a planejá-lo. Quantos acidentes, na verdade, não se tratam de morte facilitada?

IHU On-Line – O senhor considera que os seus estudos permitem um paralelo com o que está acontecendo na France Telecom? É possível identificar causas comuns?

Marcelo Finazzi – O grande problema das organizações contemporâneas, incluindo a France Telecom, é que as reestruturações são conduzidas na base da força e da coação, sem diálogo. É óbvio que mudanças são imprescindíveis: curiosamente, entretanto, pensam-se nos resultados financeiros, no lucro dos acionistas, mas as necessidades das pessoas são negligenciadas – justamente aquelas que cinicamente são chamadas de colaboradores ou consideradas o maior ativo. Na minha pesquisa, ficou bastante nítido que a onda de suicídios de bancários, na década de 1990, tem características distintas dos suicídios dos anos 2000. Na primeira fase, os suicídios – quando puderam ser vinculados ao contexto do trabalho – relacionaram-se com as transformações radicais do setor em intervalo muito curto de tempo. Sucessivos planos de desligamento, com demissões contínuas, em bancos públicos e privados, criaram pânico na categoria. Por exemplo, apenas no segundo semestre de 1996, foram cortadas quase 150 mil vagas no setor.

Os suicidas da primeira fase são aqueles que sucumbem ao terror psicológico de ter que ostentar felicidade, mesmo sabendo que, no dia seguinte, poderiam figurar na próxima lista de demitidos ou de serem removidos compulsoriamente para outros cargos ou cidades. São aqueles que efetivamente foram vítimas das reestruturações, pois perdiam os cargos, os empregos e, sobretudo, a esperança. É o suicídio decorrente da incredulidade frente ao radicalismo da situação, no curto prazo, da ruptura de relações trabalhistas estáveis, do rompimento dos vínculos afetivos para um estado de caos permanente. Os suicídios da segunda fase, ou seja, a partir dos anos 2000, externalizam as consequências negativas, no longo prazo, das mudanças estruturais introduzidas com as reengenharias nos métodos de produção. O trabalho se torna fardo pesado, pois, o fator custo restringe a contratação de novos trabalhadores, sobrecarregando os pouco existentes.

Os que ficam são compelidos a trabalhar mal, na medida em que são obrigados a desempenhar múltiplas tarefas, com velocidade crescente, sujeitando-se a erros. Além disso, os assédios se disseminam como práticas comuns para fazer com que os trabalhadores produzam cada vez mais ou, de outra forma, como mecanismo de pressão para eliminar os indesejáveis. O medo é utilizado como estratégia de intimidação, pois, o contingente de reserva, que são os desempregados, pressiona aqueles que estão empregados a se sujeitarem a condições laborais precárias. É assim que o sofrimento do trabalhador gradativamente aumenta, conduzindo-o ao desenvolvimento das mais variadas patologias e transtornos mentais, à medida que os mecanismos de defesa empregados para aliviar o sofrimento vão sendo um a um eliminados. O adoecimento e, de forma extrema, o suicídio, tornam-se fenômenos endêmicos.

IHU On-Line – É possível afirmar que o cotidiano do trabalhador bancário é de sofrimento?

Marcelo Finazzi – Seriam precisos estudos bastante aprofundados para fazer-se tal generalização. Conheço muitos bancários que são orgulhosos por pertencerem à categoria, manifestam satisfação no trabalho desempenhado e se julgam realizados profissionalmente. Muitos pesquisadores estão se debruçando para que as organizações façam do trabalho – essa fonte poderosa para emancipação das pessoas, tanto do ponto de vista financeiro quanto social – indutor de prazer, não de sofrimento. Infelizmente, entretanto, muitas empresas têm empregado o sofrimento como mecanismo para o aumento de produtividade ou redução de custos, adotando a truculência dessa lógica como instrumento gerencial. Um exemplo: explorar psicologicamente o medo de desemprego ou de retaliações para que o sujeito trabalhe além da jornada regulamentar ou cumpra as metas de produção – as quais, não raro, são atingidas com base em artifícios escusos ou mediante aumento potencial de falha humana. Falha essa, aliás, que o trabalhador também será penalizado caso vier a cometê-la.

Outros administradores, que possuem fragilidade de caráter ou personalidade perversa, apropriam-se do poder que estão investidos para perseguir gratuitamente os desafetos. O que posso afirmar é que, para um número crescente de pessoas, lotadas em empresas dos mais diversos setores econômicos, o trabalho tem sido um fardo que somente suportam porque precisam sobreviver.     
       

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