quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A Burocracia que ameaça a Revolução Bolivariana


A história já é tão bem conhecida que se torna monótona: o governo Chávez suspende os direitos de transmissão de meios de comunicação venezuelanos, por descumprirem as leis do país. Como consequência, cria-se uma "gritaria" internacional com o objetivo de denunciar o governo Chávez como “autoritário”, "totalitário", "ditatorial" etc. No caso, trata-se da RCTV e outras cinco emissoras que transmitem por cabo (os direitos de transmissão por canal aberto da RCTV foram suspensos em 2007). Elas se recusaram a retransmitir um discurso de Chávez, contrariando determinações recentemente aprovadas pela Conatel (Comissão Nacional de Telecomunicações), que obriga as emissoras a levar ao ar programas oficiais, sempre que solicitadas. Além disso, desrespeitaram a regra que determina a traپgnsmissão de um aviso com a qualificação etária para a transmissão de telenovelas (norma que vigora inclusive no Brasil).
O novo episódio seria exatamente igual a tantos outros, se a punição não tivesse causado baixas importantes no governo: renunciaram o vice-presidente e ministro da Defesa Ramón Carrizález (no cargo de vice desde janeiro de 2008) e sua mulher Yuribí Ortega, ministra do Meio Ambiente. Carrizález, amigo de longa data de Chávez, alegou motivos “estritamente pessoais” para a renúncia, assim como sua mulher. Mas ninguém acredita nisso. O gesto do casal está sendo interpretado como um sintoma da grave crise que hoje ameaça a estabilidade do governo Chávez. Na esteira da renúncia do vice-presidente e da ministra do Ambiente, o presidente do Banco da Venezuela, a maior entidade financeira sob controle do Estado, gerou ruídos em torno à estabilidade financeira do país. Eugenio Vázquez Orellana, anunciou, porém, que vai deixar a instituição por motivos de saúde.
Os sinais da crise aparecem por todos os lados.
Em 2009, a Venezuela registrou uma queda de 2,9% do PIB, na primeira recessão em cinco anos, e sofre com um racionamento de energia. Há duas semanas, Chávez anunciou a maior desvalorização da moeda nacional, o bolívar, desde 2003, medida que tenderá a aumentar a inflação. Para além dos índices econômicos, que causam frustração em boa parte da população, há um clima de pessimismo mesmo entre os apoiadores de Chávez. Basta notar que houve um elevado índice de abstenção na eleição para os delegados do Congresso do Partido Socialista Unificado da Venezuela, liderado por Chávez (mais de 52% dos habilitados para votar não o fizeram, segundo dados oficiais), realizado no final de 2009. Além disso, altos funcionários do governo são abertamente criticados como incompetentes, autoritários, eventualmente corruptos e responsáveis diretos por muitos dos problemas urgentes que afetam a população.
A crise afeta a qualidade dos serviços oferecidos pelo sistema de saúde pública, apesar dos imensos investimentos feitos pelo governo no setor. O mesmo pode ser dito dos programas de habitação popular, de energia elétrica e de abastecimento. Mesmo a reforma agrária caminha a passos de tartaruga, apesar da desapropriação de latifúndios importantes. A sensação que se tem nas ruas é que o governo não cumpriu quase nada ou, na melhor das hipóteses, cumpriu muito pouco do que prometeu. É óbvio que isso tem um efeito desmoralizador e frustrante


Chávez multiplica os apelos para que o povo tome as rédeas do governo. Mas aí é que está o grande problema: como fazê-lo, quando todos os processos democráticos esbarram numa imensa máquina capitalista burocrática, corporificada pelo aparelho de estado controlado por um punhado de funcionários que não estão nada interessados no desenvolvimento da revolução? Que ninguém se iluda: o Estado capitalista venezuelano ainda está em pé, por mais que tenha sido golpeado pelas reformas adotadas por Chávez nos últimos anos. Morosidade na condução da reforma agrária e outros programas de desenvolvimento; prática de corrupção em todos os escalões; nepotismo, clientelismo e tráfico de influência: todos os vícios burgueses se combinam e se somam contra a revolução.




É claro que o imperialismo e seus aliados dentro da Venezuela jogam um papel importante no sentido da desestabilização do governo. Exercem pressão, apostam na sabotagem, jogam ao máximo com a máquina de propagada. Tudo isso é bem conhecido. Mas se Hugo Chávez quiser mesmo enfrentar o imperialismo e seus agentes, terá que derrotar a burocracia instalada dentro mesmo do aparelho de estado venezuelano e até no interior de seu PSUV. Não é com chamadas voluntaristas que o presidente venezuelano irá convencer o povo a se mobilizar e sustentar o governo revolucionário, mas com ações concretas que indiquem o caminho da democracia real e verdadeira, em oposição ao formalismo vazio e burocrático burguês. Chávez terá que conduzir uma guerra sem trégua contra os burocratas da Venezuela. É uma luta perigosa, que demanda todo o apoio das forças progressistas de todo o mundo.

Este texto é um editorial do Brasil de Fato


Um comentário:

  1. Excelente. O editorial foi certeiro na identificação do problema. Um problema que todos os processos de transformação enfrentaram e muito poucos conseguiram superar. Afinal, o Estado burguês não é um contraponto ao sistema capitalista (como pensam os imbecis neoliberais), mas parte integrante e indissociável do sistema econômico. Um não vive sem o outro.

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